Pensei que nunca mais tal coisa viesse acontecer em Banguecoque. Infelizmente, ontem, mais uma vez, e na mesma área, do "Maio Negro", que ficou a ser conhecido o dia 10 de Abril de 2010, pelo "Sábado Negro". Abri a gaveta das minhas memórias que são mais boas que más, neste Reino da Tailândia, onde vivo há três ou mais décadas de anos. Não estive no local, tão pouco em Banguecoque, mas no Rio Kwai em Kanchanaburi. Ontem e quando os camisas vermelhas e forças da ordem se batiam nas ruas de Banguecoque, manchando-as de sangue, pela tarde, só, fui em peregrinação ao memorial onde está erigida a estátua do Grande Rei Naresuan montado num elefante. Olhei de baixo e fotografei aquele colosso de homem que tanto lutou pela união de todos siameses e manter o reino fora da cobiça de seus vizinho. Como foi possível, ao fim de 18 anos tal coisa viesse acontecer e a ensombrar a história da Tailândia.
MEMÓRIAS DE UM (APRENDIZ) JORNALISTA
No dia 17 de Maio de 1992 transmitia a peça para a “Tribuna de Macau”:
“Hoje vai realizar-se no Parque Sanan Luang e na Avenida Rajadamnen um ajuntamento de dezenas de milhares de manifestantes. Uns a favor do General Suchinda, outros contra sua nomeação como Primeiro-ministro. Haverá concertos musicais organizados pelo novo Governo. Há uma semana tem sido levado a cabo no Sanan Luang cerimónias budistas e que deveriam terminado ontem, mas foram estendidas para mais três dias. Os manifestantes contra o Governo e liderados por Chamlong Srimuang, nas manifestações anteriores usaram “retretes móveis” e pertencentes ao município de Banguecoque. Os militares deram ordem para que fossem confiscadas e armazenadas nas instalações dos quartéis. Este problema está a afligir a oposição e pedem aos militares que lhe devolvam isso.
Um general coloca o aviso que se existir violência, esta será retaliada. Não estando fora de hipótese de ser usada chuva artificial.

“Maio Negro” de 1992. Militares e barreiras de arame farpado
Comentários dos editorialistas da imprensa: “ “Judjement day for Suchinda” – “Manipulation the press seems held back by traditional categories of criticismo.” – “How long can Suchind survive in office? “ – “He has limited choices and not on of them is favourable to him.” O “guru” Kukrit Pramoj (antigo, PM, democrático) afirma: “Suchinda nunda resignará debaixo de pressão.” “Huge City protest to top action nationality.” “Government accused of hiding Toilets in bid to toward protest.
Vai haver hoje e prolongar-se-á pela noite dentro. Uma mistura de gente nos locais do costume onde se têm realizado os protestos contra Suchinda. Ali existem espectáculos para todos os gostos: política, religião e concursos de música pop. Porém não deixará também de haver negócio e propaganda de produtos, que oportunistas aproveitam, quando há ajuntamentos de muita gente.”
José Martins
No dia 18 de Maio de 1992 transmitia a peça para a “Tribuna de Macau”
E “Rádio Renascença” pelo telefone.
“Depois de protestos de mais de um mês pelo facto de se autonomizar-se Primeiro-ministro o General Suchinda, a violência eclodiu ontem no princípio da noite e prolongou-se até à madrugada de hoje. Carros da polícia foram incendiados depois do confronto entre manifestantes liderados por Chamlong Srimuang e as forças da ordem.
O General Suchinda depois de ele próprio se nomear Primeiro-ministro, após as eleições de 22 de Março, último, tem sido alvo de numerosos protestos da oposição e do público em geral, pela razão de existirem fortes indícios de ligações com as Forças Armadas que não pretendem de abdicar da sua interferência em todos os Governos eleitos democraticamente.
O General Suchinda, partiu ontem de manhã para o norte da Tailândia, em visita aos meios rurais.
A fim de destorcer a manifestação chegaram ontem a Banguecoque centenas de pessoas de várias províncias com transporte gratuito oferecido pelo Governo do General Suchinda.”
Junto à peça inseri uma nota:
“ Liguei a televisão às 3:30 da manhã. Contra o habitual as estações de televisão estava a difundir diversos programas, entre os quais o festival de música pop organizado pelo Governo. Seguem-se imagem que entretanto gravei: confrontos violentos entre a polícia de intervenção, armados de bastões e viseiras protectoras de material plástico. Retiraram-se, pouco depois, dado que não conseguiram suster o Povo. Após a retirada das forças policiais, os manifestantes, voltam carros, carrinhas e camiões da polícia, com paus partem-lhe os vidros e ateiam-lhe o fogo. Não se viram feridos, ou disparos de tiros. As câmaras registaram, apenas um polícia a sair de um hospital depois de ter sido tratado dos ferimentos.

“Maio Negro” de 1992. Militares carregam sobre o Povo
O caos reinava nas avenidas, penso junto ao Sanan Luang, aonde os manifestantes se dedicavam a vandalizar os carros da polícia. Noutras imagens vêm-se uma larga quantidade de carros em chamas.
Nada ainda se pode prever, qual será a reacção dos militares, já que o General Suchinda tem forte apoio das Forças Armadas, em especial do Comandante-em-chefe General Kaset, nomeado pelo Suchinda depois de ter deixado o alto cargo e assumir as funções de Primeiro-ministro, cujo Povo tailandês não o aceita. Conforme o desenrolar dos acontecimentos de hoje os irei transmitindo. De momento não se pode ainda avaliar quais as consequências. Novo Golpe de Estado? Resignação de Suchinda? Por agora tudo ainda é uma incógnita o futuro político da Tailândia.”
José Martins
Segunda peça transmitida no dia 18.05.1992
“Contra o habitual, os matutinos “Bangkok Post” e “The Nation” ainda não se encontravam à venda nas bancas às 6:30 da manhã. Creio que sairão mais tarde, para darem uma maior cobertura aos acontecimentos de violência registados ontem pela noite adiante até de madrugada na praça “Sanan Luang”.
Por notícias obtidas através da televisão às 6 da manhã e quando me preparava para sair de casa, foi imposta na Tailândia a “Lei de Emergência” e não pode have, nas ruas ou praças ajuntamentos de mais de 10 pessoas, sujeitas a serem detidas se tal vier acontecer.

“Maio Negro” de 1992. Olhos tristes e muita ansiedade
Ainda não se pode futurar, se novo Golpe de Estado já foi levado a cabo e em que mãos está o Governo.
Seguirão mais detalhes, quando ler os jornais. Estarei, pela rádio, em contacto para que mais possa informar.
Gravei toda a desordem emitida pela televisão, não sei se foi filmado por um amador já que não aparece no “écran” o nome e número do canal. Foi a primeira vez que a televisão transmitiu uma insurreição igual a esta na Tailândia. Na última manifestação, há uma semana, deu algumas imagens, quando os manifestantes se preparavam para abandonar o local.”
José Martins
Terceira peça transmitida no dia 18.05.1992
“Por informações recebidas neste momento pelo telefone, e fornecidas por minha mulher de casa. Um comunicado, transmitido pela televisão, informa que as repartições do Estado estarão encerradas, hoje, assim como as escolas. A oposição irá avistar-se com o Governo para que a situação seja discutida.
Seguirão detalhes
José Martins
Quarta peça transmitida no dia 18.05.1992 – 7:30 da manhã
“O jornal “The Nation”, publica fotografias em que se podem considerar dramáticas a espancarem os manifestantes na avenida Radjamnem, esta madrugada.
Encabeçam os títulos: “Protesters battle police”- State of Emergency Declared”- Scores of people injured ‘ Troops poised to smash rally”- “Pressman caught in crossfire of missiles” – Army Chief threatens to use force” – “The night police turn vandals”.
O que a Lei diz sobre o “Estado de Emergência:
“Podem as autoridades entrar em qualquer residência e proceder a buscas; deter qualquer pessoa se as autoridades entenderem que esta pode pôr em risco a segurança do país.

“Maio Negro” de 1992.Ao outro dia do “massacre”
Proibir qualquer pessoa de sair do país, se estiver debaixo da alçada das autoridades.
Chamlong Srimuang está já a ser acusado de culpa da violência e responsável pelos ferimentos de 10 polícias . Ainda sem fontes concretas, um polícia foi fatalmente ferido.
Nota minha: “penso e debaixo do Estado de Emergência, Chamlong Srimuang deve ser detido. Certamente sobre ele vão ser imputadas culpas pela danificação de dezenas de viaturas da polícia e dos bombeiros.
Nas fotografias publicadas pelo “The Nation”, uma mostra um manifestante de mãos postas a pedir complacência à polícia. Fotografia com um sentido humano profundo. Um homem está ferido na cabeça, o sangue escorre-lhe pela face abaixo e ensopa-lhe a camisa. Para mim, já está eleita a fotografia do ano, e o grito da democracia, frágil deste país que vive debaixo da bota militar pretoriana como o foi nos tempos áureos de Roma.
“Bangkok Post”, às 8 horas, ainda não se encontrava nas bancas à venda. Telefonei para a redacção e informaram-me que sairia mais tarde. “The Nation” apenas duas cópias foram distribuídas na banca onde o compro todos os dias. Tive sorte apanhei uma! Tenho fortes suspeitas que o “Bangkok Post” tenha sido apreendido. Estranho também o número reduzido de cópias do “The Nation”. Pouco mais se saberá de concreto sobre as informações reais dos acontecimentos, próximos já que o “ Estado Emergência” controla tudo que tem sido publicado. Por agora e creio por todo o dia é só isto.
José Martins
Os banguecoquianos viviam horas difíceis e de incerteza quais seriam os próximos acontecimentos. Jornalistas, fotógrafos tailandeses e estrangeiros eram espancados e as máquinas de filmar e fotográficas eram estilhaçadas contra o solo pelos militares. Era perigoso ir-se para o terreno e tomar-se nota dos acontecimentos. Para recolher informações utilizei o telefone e fui ligando para pessoas conhecidas e amigas residentes em Banguecoque para me informarem como se encontrava a situação nos seus bairros. Não havia confrontos em lado nenhum.


“Maio Negro” de 1992. Os jornais dão conta de um morto e outro ferido (estrangeiros) com gravidade. Obra do exército tailandês.
Os habitantes estavam em suas casas e na expectativa daquilo que iria acontecer. A ordem de recolher estava estipulada para que depois de o anoitecer ninguém poderia circular. Esporadicamente, já altas horas da noite, em alguns pontos da cidade eram ouvidos tiros. Veio a saber-se depois que “pobres diabos”, empregados de hotéis quando terminavam os seus turnos e regressados em motoretas eram alvejados com balas.
O “China Town” (onde reside a comunidade chinesa), os estabelecimentos estavam encerrados. O bairro movimentado, praticamente, durante as 24 horas dos ponteiros dos relógios, estava deserto. Os negociantes de ouro chineses tinham trancado, a sete chaves, o ouro em barra e trabalhado nos cofres. Havia o receio dos assaltos e a contigua pilhagem.
José Rocha Dinis director da “Tribuna de Macau” pelo telefone pedia-me se era possível eu deslocar-me ao lugar, ou nas proximidades, onde se tinham acontecido o “massacre”. Recusei-me dado que tinham sido molestados e espancados jornalistas estrangeiros e locais. Dois cidadãos da Nova Zelândia tinham sido atingidos pelas balas disparadas pelos militares. Um nos cuidados intensivos, a debater-se pela vida, num hospital de Banguecoque e outro abatido com um tiro no pescoço.
Não se podia prever que futuro, político esperava à Tailândia. Até que na noite de 21 de Maio de 1992 um raio de luz e de esperança pairou! Sua Majestade o Rei da Tailândia chamou ao palácio o Primeiro-Ministro, general Suchinda (o homem mau) e o general Chamlong Srimuang. Os dois políticos, sentados em cima das pernas e no soalho de uma sala do Palácio em frente de Sua Majestade o Rei Bhumibol e disse-lhe: “ a Tailândia não é propriedade vossa mas dos tailandeses e fostes vós os causadores da morte de pessoas e dano de propriedades de civis e do estado”
A audiência foi transmitida por todos os canais de televisão e estações de rádio.

Sua Majestade o Rei da Tailândia transmitiu aos causadores da rebelião: a Tailândia não é propriedade vossa. Na foto: Generais Suchinda (1) e Chamlong Srimuang (2). Nº 3 General Prema Conselheiro do Rei Bhumibol
No dia 22 de Maio transmitia, pelo telefone, para a rádio Renascença, quando em Portugal seriam umas duas manhãs a seguinte peça:
»» Depois da tempestade a bonança. A intervenção do Rei da Tailândia veio a por termo às manifestações de protesto contra o general Suchinda. O Suchinda e o líder dos manifestantes Chamlong Srimuang, foram chamados ao Palácio Real, e juntos, ouviram as palavras do monarca tailandês, que continua a ser a força máxima deste país. Apesar da lei de recolher ter sido imposta das 9 às 4 da manhã, os protestos continuaram, em grande escala na Universidade Aberta de Ramakueng, e outros pontos da cidade mas com menos dimensão.
Banguecoque, às sete da manhã de hoje, começa a entrar na normalidade. As manifestações terminaram. Vêm-se já sorrisos de confiança nas pessoas e orquídea fresca à venda nas ruas.
Que sirva de lição este “massacre”, aos déspotas desta área do globo e que não repita mais as “selvajarias” de dizimação de pessoas, que gritam por liberdade e mais Justiça. Que não surjam mais “massacres” levados a cabo na China, em Timor-Leste e agora na Tailândia. Que as ideias “pretorianas” de alguns militares acabem de vez.
José Martins em Banguecoque»».
Balanço de vítimas, segundo o diário “Bangkok Posto” de 21.09.1992:
46 Mortes confirmadas
699 Pessoas desaparecidas onde se incluem, mortas e feridas.
Chegou, graças a S. Majestade o Rei, a paz à Tailândia que até ao ano presente (2006), além dos confrontos, habituais, entre homens na arena política, foi posta de parte que os militares (assim o prometeram) se envolverem nos assuntos do Governo.
A democracia, a harmonia, progresso e o desenvolvimento económico jamais estagnou.
José Martins
P.S. Esta peça foi republicada em 19 de Setembro de 2006 de quando um golpe de estado.