Este grande banco americano, ao qual, como se sabe, se atribui uma grande responsabilidade da crise que temos (no que respeita à parte que não é nossa, bem entendido) mostra agora algumas atribulações com as declarações que um seu director, que se demitiu, resolveu fazer-nos através do New York Times. Leiam que tem muito interesse. Esta versão, em português, foi publicada no Jornal de Negócios.
Greg Smith: São os corretores do Wall Street psicopatas?
14 Março 2012 | 12:57
Diogo Cavaleiro - diogocavaleiro@negocios.pt
Greg Smith orgulhava-se de trabalhar no Goldman Sachs. Até se aperceber de que o interesse dos clientes já não faz parte da cultura do banco. "Nem um segundo é desperdiçado a lançar questões sobre como podemos ajudar os clientes". É por isso que hoje, num artigo no "New York Times", explica porque se demite.
Há um encontro de responsáveis pela sala de derivados do Goldman Sachs. Ninguém gasta um segundo a perguntar como é que os clientes podem ser ajudados. O que interessa para os gestores é como obter o máximo dinheiro possível dos clientes. É por isso que Greg Smith escreve hoje no New York Times. É por isso que diz: “Hoje é o meu último dia no Goldman Sachs”.
Greg Smith, actual director executivo do Goldman Sachs e responsável pelo negócio de derivados na Europa, Médio Oriente e África, começou a trabalhar no banco norte-americano, como estagiário de Verão, há quase 12 anos. Durante 10 anos esteve em Nova Iorque. Agora está em Londres. Até hoje. Porque o ambiente mudou. Porque a forma de se conseguir a liderança no banco se alterou.
“Sinceramente, posso dizer que, hoje, o ambiente é tão tóxico e destrutivo como nunca vi”, opina Greg Smith.
Antes havia uma cultura, o “ingrediente secreto”, que permitiu que o Goldman Sachs conquistasse a confiança dos clientes em 143 anos. Actualmente, não há um traço dessa cultura que faça Smith “amar” o trabalho naquela entidade.
“Os interesses dos clientes continuam a estar marginalizados da forma como o banco funciona e como pensa em fazer dinheiro”, acusa.
“Já não conseguia olhar os estudantes nos olhos”
O responsável do banco nova-iorquino, que costumava fazer a recruta de jovens analistas, afirma que já não tem “orgulho” de ali trabalhar.
“Eu soube que era tempo de sair quando me apercebi de que já não conseguia olhar os estudantes nos olhos e dizer-lhes o quão fantástico era aquele lugar para trabalhar”, salienta Greg Smith.
Como é que tudo mudou? Muito tem que ver com a alteração da forma de pensar na liderança. Antes, chegava-se a líder com ideias. Agora, tudo está relacionado com dinheiro.
“Sempre tive orgulho em aconselhar os meus clientes a fazer o que acreditava ser o melhor para eles, mesmo que isso significasse menos dinheiro para o banco. Esta visão está a tornar-se cada vez menos popular no Goldman Sachs”, escreve Smith, no texto de opinião de hoje.
Os novos caminhos para a liderança no Goldman: pensar apenas em lucro
Nos dias de hoje, há apenas três caminhos para se alcançar a chefia no banco liderado por Lloyd Blankfein (na foto), diz Greg Smith.
Persuadir os clientes a comprar as acções ou activos de que o banco “se está a tentar livrar” ou fazer com que os clientes negoceiem aquilo que vai trazer maior lucro para o Goldman são os dois primeiros exemplos. E o terceiro? “Descobrir-se a si próprio num lugar em que o seu trabalho é transaccionar produtos ilíquidos e opacos cujo nome é um acrónimo com três letras”.
E é isso que incomoda Greg Smith. Aquilo que não vê no caminho para a liderança no Goldman Sachs. “Nem um segundo é desperdiçado a lançar questões sobre como podemos ajudar os clientes”.
O director do banco norte-americano afirma-se assustado quando percebe que os analistas juniores dos derivados têm apenas uma pergunta nas suas mentes: “Quanto dinheiro é que vou conseguir deste cliente?”
Smith escreve, nesta sua carta de demissão pública, que quando começou a carreira “nem sabia onde é que era a casa de banho”. A preocupação era “descobrir o que era um derivado”, “perceber as finanças” e “conhecer os clientes e como motivá-los”.
Foi esse pensamento que se perdeu no Goldman, na opinião de Smith. “Surpreende-me que tão poucos gestores experientes saibam a verdade basilar: se os clientes não confiarem em nós, vão acabar por parar de fazer negócios connosco”, escreve.
Carta de demissão no New York Times é um “alerta”
“Espero que isto seja um alerta para o conselho de administração. Tornar, novamente, os clientes o ponto fulcral da vossa actividade. Sem clientes, não fazem dinheiro. Na realidade, nem existem”, argumenta o director que publicou a sua demissão no “New York Times”.
Greg Smith espera que a administração perceba que tem de afastar as “pessoas em bancarrota moral”, “não importando quanto dinheiro fazem para a empresa”.
“As pessoas que apenas se preocupam em fazer dinheiro não vão manter a firma – ou a confiança dos clientes – por muito mais tempo”, conclui Greg Smith na sua carta.
Entretanto, o Goldman veio já dizer que o sucesso do banco se deve apenas ao facto de os clientes serem, também eles, bem sucedidos. “Esta verdade fundamental está no coração do modo como seguimos a nossa conduta”, indica uma declaração do banco, citada pela agência Bloomberg.
Goldman Sachs responde: "É lamentável que vocês que trabalharam tanto tenham de reagir a isto"
"Estamos longe de ser perfeitos", admite o Goldman Sachs num comunicado interno, em resposta aos adjectivos "tóxico" e "destrutivo" utilizados por um antigo director, Greg Smith. Mas é certo que o interesse dos clientes a longo prazo faz parte da cultura do banco, escrevem os administradores.
“É lamentável que todos vocês que trabalharam tanto num ambiente difícil, ao longo dos últimos anos, tenham de reagir agora a isto”.
É assim que o Goldman Sachs responde à carta de demissão pública do seu antigo funcionário, Greg Smith, que acusou hoje o banco de estar a viver sob uma cultura “tóxica” em que os clientes deixaram de fazer parte da sua preocupação central.
“Neste momento, muitos de vocês já leram a declaração, no 'New York Times' de hoje, de um antigo funcionário da nossa empresa”, começam por escrever os administradores executivo e operacional, Lloyd Blankfein (CEO) e Gary Cohn (COO), num comunicado interno hoje enviado aos funcionários e a que a agência Bloomberg teve acesso.
O Goldman Sachs argumenta que, numa empresa com 30 mil trabalhadores, é normal haver quem esteja descontente. Contudo, responde com uma sondagem feita aos funcionários. No estudo, 89% de todos os funcionários do banco dizem que os serviços por si fornecidos são “excepcionais”. Entre o grupo de 12 mil vice-presidentes – de que fazia parte Greg Smith – , “o número é igualmente elevado”, salienta o banco sem, contudo, avançar valores.
“A nossa empresa teve a sua quota de desafios durante e depois da crise financeira, mas o vosso orgulho no Goldman é óbvio. Vocês não o disseram a nós, disseram em estudos externos”, indica o comunicado interno.
“Estamos longe de ser perfeitos”
“Escusado será dizer que ficamos tristes ao ler as declarações feitas por este indivíduo, que não reflectem os nossos valores, a nossa cultura e como a grande maioria das pessoas no Goldman Sachs pensa sobre a empresa e sobre o trabalho que faz em nome dos nossos clientes”, argumentam os administradores da entidade nova-iorquina.
Greg Smith diz que a cultura do banco é, actualmente, a de arrecadar o máximo de lucros possíveis para o Goldman, sem haver quaisquer preocupações com o interesse dos clientes.
“Estamos longe de ser perfeitos, mas quando a empresa se depara com um problema, respondemos seria e substantivamente”, defendem os responsáveis da entidade financeira no comunicado divulgado pela Bloomberg.
“Mas a nossa resposta é melhor demonstrada na forma como realmente trabalhamos e como ajudamos os nossos clientes, através do nosso compromisso para com os seus interesses a longo prazo”, asseveram os responsáveis do Goldman Sachs, no comunicado.
“Essa prioridade distinguiu-nos no passado, durante a crise financeira e hoje”, concluem Blankfein e Cohn, antes de dirigirem um “obrigado” aos funcionários receptores da sua missiva.